Sevostyanov: "Se o Estreito de Ormuz for fechado, o preço do petróleo subirá acima de US$ 110"

— Há muitas informações sobre a situação do petróleo vindas de diversas fontes, mas todos os analistas repetem unanimemente que é muito difícil fazer previsões agora, devido à constante interferência geopolítica na vida dos mercados. Então, como devemos entender o que está acontecendo?
— Hoje, assistimos a mudanças estruturais no mercado de petróleo, à medida que os principais motores do crescimento da oferta e da demanda dos últimos 15 anos começam a mudar. Ou, mais precisamente, a enfraquecer. Em geral, as estimativas dos analistas coincidem com as da Agência Internacional de Energia (AIE): a China, que tem sido o principal motor do crescimento da demanda global por petróleo por mais de 12 anos, atingirá o pico de consumo em 2029, após o aumento das vendas de veículos elétricos e a implantação de trens de alta velocidade e caminhões movidos a gás natural.
— Há alguma previsão específica para o futuro próximo: por exemplo, quais são as expectativas dos analistas para o resto do ano?
— O consumo global de petróleo em 2025 crescerá em 720 mil barris por dia, enquanto a oferta em maio aumentou em 330 mil barris por dia, para 105 milhões de barris por dia — 1,8 milhão a mais do que há um ano. Ao mesmo tempo, o crescimento da produção e da demanda é praticamente igualado pelos países não pertencentes à OPEP+ e pelo próprio G20 da OPEP+, à medida que as restrições voluntárias à produção são flexibilizadas. Simplificando, em 2025, a oferta global de petróleo pode exceder a demanda global, o que significa que haverá um excedente. E as reservas, aparentemente, aumentarão, apesar dos riscos regionais. O excedente agora é de cerca de 1,1 milhão de barris por dia. Os principais impulsionadores da superprodução são o aumento da produção nos EUA e nos países da OPEP+, com demanda moderada da China e da UE.
— Como o conflito no Oriente Médio afeta as citações?
— Em 1973, quando os países árabes impuseram o embargo, os preços do petróleo quadruplicaram. Filas nos postos de gasolina, inflação, recessão — esse "choque do petróleo" entrou para os livros didáticos. Agora tudo é diferente — mas os ecos do passado já começam a soar mais fortes. Eu descreveria a situação atual do mercado como uma estabilidade nervosa.
Após o Brent subir para US$ 78 no dia do início dos ataques, as cotações retornaram a US$ 74,60 em 17 de junho, ou seja, uma alta de apenas 1,87% em um dia. Por que não houve colapso? Há três razões para isso. Primeiro, a infraestrutura sobreviveu, e os principais centros de exportação iranianos (Khark, Bandar Abbas) não foram danificados. O fluxo de 3,4 milhões de barris por dia foi mantido.
Em segundo lugar, a reserva da OPEP+ é real: a Arábia Saudita detém 3 milhões de barris por dia em reserva – o que representa um "hidrante" para o mercado. Em terceiro lugar, a demanda está pressionando: as importações chinesas caíram para 16,81 milhões de barris por dia em maio, e a indústria da UE continua estagnada.
De fato, níveis tão modestos de crescimento de preços parecem estranhos, considerando que a região produz 25 milhões de barris por dia. No entanto, o mercado não vive de estatísticas – vive de expectativas. Ou, como observou o guru americano do mercado de ações Warren Buffett: "O mercado é um pêndulo oscilando entre a ganância e o medo". Agora, o pêndulo está claramente começando a se inclinar para o medo. Mas os eventos se agravaram dramaticamente diante de nossos olhos, e agora a próxima semana mostrará o que acontecerá a seguir.
— O que acontecerá com o preço do petróleo no pior cenário?
— Se o Estreito de Ormuz for fechado ou a infraestrutura de exportação da Arábia Saudita for afetada, o preço poderá ultrapassar US$ 110. Acredito que esse cenário arriscado tenha cerca de 30% de probabilidade e só seja possível com a destruição física da infraestrutura petrolífera do Irã e um bloqueio de longo prazo de Ormuz. O Estreito de Ormuz é uma passagem estreita que liga o Golfo Pérsico ao Oceano Índico. Cerca de um terço do petróleo bruto mundial exportado por mar, bem como 20% do gás natural liquefeito do mundo, passam por este canal, que faz fronteira com o Irã ao norte.
Mas não haverá pânico que inflacione ainda mais os preços. Reservas estratégicas de petróleo de 1,5 bilhão de barris estabilizarão a situação. Portanto, o principal é o abastecimento. Até que sejam interrompidos, não creio que veremos aumentos acentuados nos preços do petróleo. As ações dos Estados Unidos são um indicador da escala do conflito: uma guerra total nesta região, como sabemos, começa com três grupos de porta-aviões.
— A União Europeia adiará agora seus planos de reduzir o “teto” do preço do petróleo russo de US$ 60 para US$ 45 por barril, como parte do endurecimento das sanções?
— Essa ideia foi discutida na UE no início do ano. No entanto, após a escalada no Oriente Médio, acredito que esses planos serão adiados. O motivo é banal: ninguém na Europa quer outro choque do petróleo. Assim, Irã e Israel, sem querer, nos proporcionaram uma espécie de "trégua geopolítica". Por enquanto, o foco está no Golfo Pérsico.
— A UE como um todo mudará sua política hostil em relação ao petróleo russo devido aos eventos no Oriente Médio?
— Nesta fase, é improvável que a União Europeia suavize significativamente sua política de sanções às matérias-primas de hidrocarbonetos russos. Mesmo diante do agravamento da situação no Oriente Médio e da alta dos preços do petróleo, a UE buscará manter a pressão política sobre Moscou. As sanções contra o petróleo russo não são apenas uma questão econômica, mas também estratégica, relacionada à posição da UE em relação à Ucrânia.
No entanto, na prática, ajustes individuais são possíveis. Por exemplo, a UE pode ignorar o aumento da reexportação de derivados de petróleo russos para países terceiros, principalmente Índia e Turquia. O ritmo de reforço do controle sobre o cumprimento do teto de preços também pode desacelerar, especialmente se o mercado de petróleo ficar nervoso e o preço do Brent se consolidar acima de US$ 90 por barril.
Em outras palavras, o curso formalmente permanecerá o mesmo, mas, na prática, é possível um certo alívio da pressão – não como um gesto de boa vontade, mas como uma forma de estabilizar a situação energética na própria Europa. Afinal, como disse o ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, "a Europa só avança em tempos de crise – e então toma medidas que não ousava tomar antes".
— Então, qual será a posição da Europa no mercado global de petróleo?
— Os acontecimentos no Oriente Médio agravaram mais uma vez a questão da segurança energética da Europa. À primeira vista, é improvável que a UE altere radicalmente sua política de sanções ao petróleo russo. O bloco mantém uma estratégia de redução da dependência, apesar das flutuações de preços de curto prazo. No entanto, o conflito no Oriente Médio, especialmente os riscos para o Estreito de Ormuz, torna o mercado de petróleo extremamente vulnerável — e isso por si só está forçando a Europa a agir com mais cautela. A UE ainda adere à política de rejeição do petróleo russo, mas a atual instabilidade geopolítica pode desacelerar temporariamente o endurecimento da política de sanções. Isso não significa o levantamento das restrições, mas novas medidas, como a redução do teto de preços ou a ampliação das sanções secundárias, também podem ser adiadas. Bruxelas está ciente de que a pressão adicional sobre o mercado levará a um aumento dos preços, o que afetará principalmente os consumidores europeus. Portanto, como observou um diplomata europeu, "o momento para novas decisões deve ser escolhido com sabedoria". Os acontecimentos no Oriente Médio estão se tornando um impedimento, especialmente em um contexto de crescente incerteza estratégica no abastecimento global.
— Como tudo isso afetará o orçamento da Rússia?
— A situação em torno do Irã e de Israel certamente traz turbulência adicional ao mercado de petróleo, mas para o orçamento russo isso não representa uma ameaça, mas sim uma janela de oportunidade. Por um lado, o teto para os preços do petróleo russo ainda está formalmente em vigor, limitando a possibilidade de exportações acima do nível estabelecido. Mas, como demonstra a prática dos últimos meses, em condições de déficit global no fornecimento de petróleo e prêmios de risco crescentes, o preço real do petróleo russo está cada vez mais se aproximando do preço de mercado, especialmente em áreas asiáticas.
Desde 2023, o sistema orçamentário da Rússia foi reestruturado para um modelo mais flexível, no qual as receitas do petróleo e do gás desempenham um papel importante, mas não mais crítico. O nível básico de estabilidade é alcançado por meio de uma política orçamentária conservadora, controle rigoroso das despesas e diversificação de parceiros econômicos estrangeiros. Isso cria uma camada de estabilidade mesmo em condições de alta volatilidade nos mercados estrangeiros.
No entanto, se as tensões no Oriente Médio persistirem, o preço do petróleo poderá se estabilizar acima de US$ 90 por barril, o que aumentaria diretamente a receita orçamentária. Mesmo com o teto de preço atual, as empresas russas estão encontrando maneiras logísticas e legais de vender petróleo.
No geral, a crise na região está fortalecendo a atual estrutura orçamentária da Rússia, em vez de abalá-la. Toda crise do petróleo ensina a mesma coisa: o petróleo não é apenas um recurso, é o nervo da economia global. Sim, não estamos em 1973, mas quando o Oriente Médio começar a arder, estaremos começando a chegar lá.
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